Entre um credor interessado em receber e um devedor que não se dispõe a pagar voluntariamente, há uma série de mecanismos oferecidos pela legislação para que o Judiciário possa solucionar o litígio.
STJ possui diversos precedentes sobre meios de execução atípicos.
Além dos meios de execução típicos ou diretos — como o bloqueio de valores em conta e a penhora de outros bens —, o Código de Processo Civil, no artigo 139, inciso IV, deu poderes ao juiz para adotar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para garantir ao credor a satisfação de seu direito.
Julgando o REsp 1.864.190, a 3ª Turma estabeleceu que os meios de execução indireta previstos no artigo 139, inciso IV, do CPC têm caráter subsidiário em relação aos meios típicos e, por isso, o juízo deve observar alguns pressupostos para autorizá-los — por exemplo, indícios de que o devedor tem recursos para cumprir a obrigação e a comprovação de que foram esgotados os meios típicos para a satisfação do crédito.
Na mesma linha de entendimento, no REsp 1.782.418 e no REsp 1.788.950, a 3ª Turma definiu que as medidas atípicas, sempre em caráter subsidiário, só devem ser deferidas se houver no processo sinais de que o devedor possui patrimônio expropriável, pois, do contrário, elas não seriam coercitivas para a satisfação do crédito, mas apenas punitivas.
Apreensão de documentos
Nos últimos anos, o STJ tem sido reiteradamente chamado a analisar a validade de decisões judiciais que determinam a retenção de dois documentos em especial: o passaporte e a carteira de habilitação. Nesses casos, a discussão gira em torno das potenciais limitações ao direito de ir e vir e do cabimento dessas medidas no contexto das ações executivas.
Nos colegiados de direito privado, a posição que tem prevalecido é a da possibilidade da retenção ou suspensão dos documentos, desde que por decisão fundamentada e, como destacado anteriormente, após o esgotamento das vias executivas típicas.
Em 2018, a 4ª Turma firmou precedente importante no sentido de que é ilegal e arbitrária a retenção do passaporte em decisão judicial não fundamentada e que não observou o contraditório.
Relator do recurso, o ministro Luis Felipe Salomão explicou que o STJ reconhece a validade da utilização do Habeas Corpus para questionar a apreensão de passaporte, como no caso analisado, pois a medida limita a liberdade de locomoção.
Em relação aos instrumentos executivos atípicos, o magistrado lembrou que o mérito das inovações trazidas pelo CPC/2015 foi a preocupação com a efetividade da tutela jurisdicional, mas que essa circunstância não pode afastar as regras constitucionais, em especial a restrição injustificada de direitos individuais.
No caso dos autos, Salomão destacou que o juízo da execução se limitou a deferir o pedido de suspensão do passaporte, sem se preocupar em demonstrar a necessidade e utilidade da medida. Como consequência da falta de fundamentação da decisão e da ausência do exercício do contraditório pelo devedor, o ministro considerou arbitrária a retenção do documento (RHC 97.876).
Com base nesses mesmos requisitos, no HC 597.069, a 3ª Turma manteve a apreensão de passaporte determinada em uma execução de dívida de aluguéis. A medida foi determinada em primeiro grau, após o não pagamento voluntário e o insucesso das tentativas de localização de bens.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina confirmou a ordem judicial, mas limitou os seus efeitos até o oferecimento de bens pelo devedor ou a promoção de penhora.
No HC, a defesa alegou que as medidas restritivas seriam ilegais, desproporcionais e arbitrárias, pois somente o patrimônio da devedora deveria responder pelas dívidas, e ela se encontrava em Portugal, impedida de retornar ao Brasil por motivos financeiros.
O ministro Paulo de Tarso Sanseverino destacou que, segundo o próprio advogado, a devedora teria a intenção de morar fora do Brasil. “Pode-se daí extrair uma forma de blindagem do seu patrimônio, não deixando, pelo que se verificou no curso da execução, bens suficientes no Brasil para saldar as obrigações contraídas, e vindo a pretender residir fora do país e para lá levar o seu patrimônio e, quiçá, lá incrementá-lo, o que dificultaria, sobremaneira, o seu alcance pelo Estado-jurisdição brasileiro”, ponderou o relator.
O ministro considerou legítimas e razoáveis as medidas coercitivas adotadas pelo juízo da execução.